Por Marisa Maia *
Caros leitores, venho partilhar convosco a minha indignação com o plano estratégico sazonal e as mais recentes notícias sobre a falta de resposta dos centros de saúde. Notícias que exploram uma perspetiva política e, eventualmente, uma perspetiva dos próprios jornalistas.
Os médicos dos cuidados de saúde primários (centros de saúde) foram transformados em “bombeiros” do SNS, desvirtuando a principal função e o real contributo para a melhoria da qualidade em saúde dos utentes. É preciso alertar/relembrar que os cuidados de saúde primários são um pilar fundamental do SNS – O PILAR DA PREVENÇÃO.
A estratégia delineada perspetiva que a resposta ao aumento da procura de consultas urgentes, pelos utentes, passe, essencialmente, pelos cuidados de saúde primários. Quando estes aumentam a oferta de consulta aberta (CA- consulta destinada ao atendimento de situações agudas), diminuem consequentemente a oferta das consultas programadas (consultas para rastreios precoces, consultas de vigilância e seguimento de situações crónicas). Esta solução, a que já se recorreu durante o período da pandemia, condiciona a breve prazo, o aumento das necessidades de consulta para situações agudas ou urgentes. Alimentamos de forma negativa o sistema neste ”trade-off”. Clarificando: se os cuidados de saúde primários diminuírem a disponibilidade de consulta programada, onde é possível realizar educação para a saúde (prevenção primária), rastreios (prevenção secundária), consultas de vigilância a doentes diabéticos e hipertensos (prevenção terciária e quaternária) e outras vigilâncias para as quais está vocacionada, para aumentar o número de consultas abertas disponíveis estará, de forma viciosa, a aumentar a necessidade da mesma.
Assistimos a notícias de contratação de profissionais médicos sob o título “Médicos de Família desviados centros de saúde para dar resposta ao aumento das necessidades nos Serviços de Urgência hospitalares”. No entanto, o número de profissionais nos cuidados primários não se alterou, não diminuiu conforme o anunciado desvio. É também notícia o alargamento do horário nos centros de saúde. Para este alargamento, não foram anunciados ou previstos reforços!!! Resta-me a pergunta: se os profissionais já trabalham para além do seu horário, estão desgastados por toda a resposta dada em tempo de pandemia, será uma tentativa de aferir o nível de resiliência máximo? Por onde anda a preocupação com a saúde destes profissionais?
Os centros de saúde dão uma resposta importante à doença aguda através da consulta aberta (CA), do serviço de atendimento de situações urgentes (SASU) e dos Serviço de atendimento permanente (SAP)), mas a sua atividade principal não pode ser, nem mesmo sob pressão, resposta a situações de urgência, isso seria o fim do SNS conforme o conhecemos.
A medida SNS + Proximidade é uma iniciativa que pretende modernizar o Serviço Nacional de Saúde. De facto, queremos proporcionar uma resposta o mais próximo possível dos cidadãos, mas entenda-se que muitos dos casos de procura do Serviço de Urgência prendem-se com problemas de saúde com necessidade de cuidados hospitalares. Estes utentes aguardam pelas suas consultas hospitalares por tempo superiores ao que seria razoável – tempos máximos de resposta garantidos (TMRG), utilizando a “porta que encontram aberta” o Serviço de Urgência.
É preciso estar no terreno para construir possíveis soluções e analisar o problema com outras lentes…
De facto, nos centros de saúde a resposta tem excedido a capacidade, os profissionais debatem-se na tentativa de resposta para lá do humanamente possível.
Permitam-me propor pontos de reflexão que, na minha perspetiva melhorariam a resposta a situações urgentes no Centro de Saúde:
– A literacia do utente: é essencial que o utente saiba quando e como deve recorrer a uma consulta aberta e estar instruído para saber gerir sintomas ligeiros.
– A triagem realizada pelo SNS 24: é importante melhorar esta triagem, estabelecendo reais prioridades e orientando os utentes na gestão de sintomas ligeiros.
-As justificações para o trabalho para acompanhamento de filhos doentes merecem a divulgação e facilitação da possibilidade de o fazer através de plataformas online.
– A criação de serviços intermédios para garantir a oferta necessária ao acréscimo de procura sazonal. Sou da opinião que este serviço deveria ser integrado em meio hospitalar (tendas ou improvisação de outras estruturas, quando a inserção no edifício não é possível) pela necessidade de integração de meios auxiliares de diagnóstico básicos.
Aos meios de comunicação social deixo a sugestão de análise dos recursos humanos efetivos afetos aos cuidados de saúde primários e da real missão destes profissionais. Sob o ponto de vista jornalístico, seria importante uma abordagem integral, precisa e isenta de forma a informar, formar e instruir os cidadãos.
Faço parte de um grupo de resistentes que acredita na reforma dos cuidados de saúde primários e luta diariamente, e de coração, para proporcionar ganhos em saúde à população.
* Médica